Por José Augusto Moreira in Público
Portaria foi assinada dias depois da deslocação ao Douro da missão de
inspecção do Comité do Património Mundial. Ambientalistas alertam a UNESCO de
que está a ser enganada pelas autoridades
Uma carta anteontem remetida ao
Comité do Património Mundial da UNESCO chama a atenção para os incentivos
financeiros agora aprovados pelo executivo de Passos Coelho para a construção
da barragem do Tua, concluindo que aquele organismo está a ser enganado pelo
Governo português. A iniciativa partiu do consórcio de associações que têm
contestado o empreendimento e o documento é assinado pelo presidente da
associação ambientalista Geota, João Joanaz de Melo.
Apesar de Portugal se ter comprometido a abrandar as obras e a aguardar pelo
relatório dos peritos que, nos primeiros dias do mês, estiveram no Douro numa
missão de avaliação dos impactos da obra sobre a classificação do Alto Douro
Vinhateiro, dias depois foi aprovado "o montante anual do incentivo ao investimento"
na construção de novas barragens, que, para o caso do Tua, prevê um total que
ultrapassa os 33 milhões de euros, a ser pago ao longo de dez anos.
A missão da UNESCO terminou a visita ao Douro a 3 de Agosto e a portaria foi
assinada três dias depois pelo secretário de Estado da Energia, Artur Trindade,
e esta segunda-feira publicada em Diário da República.
"As implicações desta decisão e o seu timing são claros e cristalinos: a
EDP e o Governo português têm andado a enganar a UNESCO ao longo de todo este
tempo sem se importar minimamente com as conclusões do relatório da
missão", alerta a carta. No documento, o Governo e a EDP são ainda
acusados de prosseguir "uma estratégia de facto consumado", pondo em
causa o respeito pelos protocolos e a credibilidade das decisões da UNESCO.
Para os ambientalistas, além de constituir "uma benesse
injustificada" para a EDP, a aprovação dos incentivos é também a prova de
que o Estado português não está a respeitar o compromisso de aguardar pelo
relatório da missão para depois decidir o futuro da barragem.
Obras a toda a força
Além da denúncia dos incentivos à construção, os ambientalistas remeteram
também várias fotografias e documentos, procurando demonstrar que, "ao
contrário daquilo que tem sido divulgado pelo Governo", as obras estão a
decorrer "a toda a força". "Estão lá agora mais máquinas que há
três meses", diz Joanaz de Melo, assegurando que têm recolhido fotografias
diariamente. E deixa até o desafio ao Governo para que divulgue "o registo
do número de máquinas e de trabalhadores na obra ao longo das últimas
semanas".
Quanto aos incentivos agora aprovados pelo Governo, dizem respeito ao conjunto
de todas as novas barragens ou obras para o aumento de potência nas já
existentes. Tal como foi anteontem noticiado pelo PÚBLICO, o Governo anunciou
que aqueles montantes representam até uma poupança substancial face ao que
estava previsto no programa inicial negociado pelo anterior executivo liderado
por José Sócrates com a EDP, Endesa e Iberdrola.
Diferente é a perspectiva dos ambientalistas, para quem estes apoios não passam
de uma "benesse injustificada" para as empresas. Além disso,
contrariam não só o próprio programa do Governo, como também as orientações
comunitárias e o memorando com a troika, "que propõem medidas de
eficiência energética e contrárias ao incentivo ao consumo", frisa Joanaz
de Melo.
O responsável do Geota diz mesmo que o incentivo à construção de barragens
"é um erro crasso em termos de política energética", já que Portugal
tem actualmente excesso de capacidade instalada. Representa também uma
"extorsão aos portugueses", já que nada justifica os montantes que
vão ser atribuídos às empresas do sector eléctrico.