Novas barragens = crimes2011-09-08
O JN trazia esta semana
dois artigos que se interligam profundamente. Num, o Norte como região turística
preferida dos portugueses, sobretudo pela natureza e paisagem. No outro, o
retrato da futura barragem do Tua. Questão: é possível destruir um rio como o
Tua e manter-se a ficção de que o turismo é o maior activo do país?
As
barragens foram propagandeadas por Salazar como o milagre da energia barata e
são hoje responsáveis por uma parte da produção de electricidade nacional, além
de terem melhorado o controlo do caudal dos rios. Foi assim por todo o Mundo.
Mas já se evoluiu muito desde então e hoje percebe-se melhor que elas têm um
custo implícito, porque os ecossistemas vão sendo profundamente alterados e a
nossa saúde paga todos os dias a factura...
Infelizmente, para a maioria
das pessoas, isto é conversa. O que importa é se a conta da luz é mais barata.
Começo então por aqui: o plano de barragens posto em marcha pelo Governo
Sócrates inclui uma engenharia financeira tipo "scut" cujo custo só vamos sentir
daqui a uns anos de forma brutal - e aí já será tarde. Uma plataforma de
organizações ambientais entregou esta semana à troika um documento que explica
onde nos leva o plano da outra "troika" (Sócrates-Manuel Pinho-António Mexia).
As 12 obras previstas que incluem novas barragens e reforço de outras já
existentes produzem apenas o equivalente a três por cento de energia eléctrica
do país, mas vão custar ao Orçamento do Estado e aos consumidores 16 mil milhões
de euros... O documento avisa que a conta da electricidade vai, a prazo, incluir
um agravamento de 10% para suportar mais este negócio falsamente "verde". A EDP,
a Iberdrola, etc., receberão um subsídio equivalente a 30% da capacidade de
produção, haja ou não água para produzir. Mesmo paradas, recebem. A troika
importa-se com isto?
Os especialistas das organizações ambientais dizem,
desde o princípio, que as novas barragens poderiam ser evitadas se houvesse
aumento de capacidade das barragens existentes. Era mais barato e a natureza
agradecia. Infelizmente a EDP apostou milhões para conseguir novas barragens, e
isso incluiu antecipação de pagamentos de licenças que ajudaram o ex-ministro
das Finanças Teixeira dos Santos a cobrir uma parte do défice de 2009, além da
mais demagógica e milionária campanha publicitária da década, em que se fazia
sonhar com barragens como se fossem os melhores locais do Mundo para celebrar a
natureza...
Estes monstros de betão vão agora destruir dois rios da
região do Douro, desnecessariamente. O Sabor, por exemplo, é uma jóia de
natureza ainda selvagem. À medida que o turismo ambiental cresce globalmente,
mais Portugal teria a ganhar com um Parque Natural do Douro Internacional ainda
inóspito, genuíno. Já não será assim. A barragem em construção inclui uma
albufeira de 40 quilómetros onde se manipula o rio de trás para a frente, com
desníveis súbitos, acabando com a vida fluvial endógena e o habitat das espécies
em redor.
Não menos grave é a destruição do rio Tua e da centenária linha
do comboio. Uma vez mais o argumento é "progresso" - os autarcas e as populações
acreditam que os trabalhadores da construção civil, que por ali vão andar por
uns anos a comer e a dormir nas pensões locais, garantem a reanimação da
economia... Infelizmente, não vêem o fim definitivo daquela paisagem e da mais
bela história ferroviária de Portugal. Uma linha erigida a sangue, suor e
lágrimas. Única. E que deveria ali ficar, mesmo que não fosse usada ou rentável,
até ao dia em fosse entendida como um extraordinário monumento da engenharia
humana e massivamente visitada enquanto tal.
Ao deixarmos cometer mais
estes crimes, em troca de um mau negócio energético, não percebemos mesmo qual o
nosso papel no Mundo. Esquecemos que a Natureza nos cobra uma factura muito
pesada quando destruímos a fauna e a flora. Estamos a comprometer a qualidade da
água e das colheitas de que precisamos para viver, com consequências para a
nossa saúde e a das gerações vindouras. Se ainda não sabemos isto, sabemos zero.
E ainda por cima vamos pagar milhões. É triste.
[Por Daniel Deusdado]
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